Reação orquestrada
Esse conceito recente ilustra a descoberta de que o sistema imunológico adquirido (aquele que desenvolve anticorpos) não é o único com memória. O sistema imunológico inato também pode estar preparado para combater os ataques, graças, em particular, a vacinas vivas atenuadas, como BCG ou sarampo.
No entanto, no caso da Covid-19, além da infecção pelo vírus, ocorre, nas formas severas, uma resposta imune excessiva, com a produção descontrolada de proteínas pró-inflamatórias, as citocinas. “A vacinação, em particular contra a BCG, poderia ajudar a orquestrar melhor essa resposta imune inflamatória”, explica Laurent Lagrost, diretor de pesquisa do Inserm, que trabalha nesses vínculos entre a inflamação e o sistema imunológico.
Na Austrália, uma equipe de pesquisadores do Instituto Murdoch de Melbourne também lançou um grande estudo, incluindo 4 mil profissionais da saúde em hospitais de todo o país. “Esperamos ver uma redução na frequência e gravidade dos sintomas da Covid-19 para os profissionais da saúde vacinados com a BCG”, disse o líder da equipe, Nigel Curtis.
Sobrevivente
Os cientistas que conduzem esses estudos deixam claro que a BCG não seria uma vacina contra a Covid-19, mas uma forma de atenuar a gravidade da doença. O desenvolvimento de uma imunização específica para o Sars-Cov-2 depende de muitos passos, e pesquisadores do Instituto de Pesquisas Scripp, nos Estados Unidos, anunciaram uma etapa essencial para isso.
Em um artigo na revista Science, eles afirmaram que um anticorpo recuperado de um sobrevivente da epidemia de Sars no início dos anos 2000 revelou uma potencial vulnerabilidade do novo coronavírus. Essa é a primeira pesquisa a mapear a interação de um anticorpo humano com o Sars-Cov-2 em resolução em escala quase atômica. Embora a substância tenha sido produzida em resposta a uma infecção causada pelo vírus Sars-Cov, ela reage de maneira cruzada com o causador da Covid-19.
O mapeamento estrutural revelou um local quase idêntico nos dois coronavírus aos quais o anticorpo se liga, sugerindo uma região funcionalmente importante e vulnerável para essa família de coronavírus. “O conhecimento de locais como esse pode ajudar no projeto estrutural de vacinas e terapêuticas contra o Sars-Cov-2, e isso também protegeria contra outros coronavírus, incluindo aqueles que podem surgir no futuro”, diz o pesquisador sênior do estudo, Ian Wilson, professor do Departamento de Biologia Estrutural e Computacional Integrativa do Scripps.
O laboratório de Wilson é conhecido por seus estudos estruturais pioneiros de anticorpos ligados a vírus, incluindo HIV e influenza. Essas pesquisas foram utilizadas em projetos de vacinas e drogas baseadas em anticorpos, além de outras terapêuticas. “Nosso objetivo final aqui é obter informações estruturais sobre anticorpos e seus locais de ligação e usá-las para orientar o design da vacina de Sars-Cov-2, assim como nosso laboratório fez com influenza e HIV”, diz o coprimeiro autor do estudo, Nicholas Wu, pesquisador de pós-doutorado no laboratório Wilson.